Thursday, March 23, 2006

Saudades de Vienna...

Saudades de Vienna
Guto Ássi, 25/11/2004

Ela se foi. Sem desculpas, sem explicações. Simplesmente, sumiu. Havia trabalhado até muito tarde na noite anterior e acabei pegando no sono sem dizer-lhe boa noite. Não me lembro quando se foi, só percebi que realmente havia partido quando acordei. Sempre que passávamos nossas noites juntos ela costumava despertar mais cedo. Todas as manhãs me esperava na copa com aquele café cheiroso. Claro que estou falando da copa do escritório. Nunca tive coragem de levá-la pra casa, imagine! E era lá mesmo, no escritório, que passamos as melhores de nossas poucas, mas longas noites. Eu fui o primeiro a sentir sua falta.

Trabalhávamos juntos, colegas de escritório. Estas noites de companhia sempre começavam com a tradicional desculpa laboral: “Ah, vou ter que passar a noite aqui, estou atolado de serviço” (como se precisássemos de desculpas para ficarmos juntos). Prontamente, ela se dispunha a ficar ligada a noite toda, mantendo-me acordado com bom humor ou simplesmente completando-me com sua agradável companhia. Começávamos trabalhando e terminávamos no café na copa. Ai que saudade destas manhãs! Às oito horas os outros chegavam. Eu podia ler em seus rostos, o semblante revelava o ciúme por nos verem a sós na copa. Certamente pensavam: “Aí estão eles, mais uma noite juntos, que abuso, que absurdo!”

Fomos admitidos praticamente juntos, por isso dizíamos que nossas carreiras caminhavam unidas. Na verdade, não me lembro daquelas salas sem Vienna. Isto mesmo, Vienna, este é seu nome. No princípio também achei estranho: “Isto é nome que se escolha!?”, hoje acho até bonito, acabei acostumando. Aliás, foi bem isso que aconteceu: eu me acostumei com Vienna. Talvez não queira assumir que passei a ser dependente (orgulho nenhum permitiria isso), mas, em alguma medida, sua presença era importante, quase fundamental. E não só pra mim, mas também para meu trabalho. Mesmo com funções tão distintas, ela sempre me ajudou muito. Vários de meus melhores projetos tiveram sua participação direta. Seguramente, posso afirmar: sem ela não teriam sucesso.

Na verdade, Vienna não era gentil apenas comigo. Todos, sem exceção, gostavam dela. De longe era a funcionária mais querida, a mais admirada, mais trabalhadora, até a mais mimada. E, por incrível que pareça, ninguém sentia inveja (nem mesmo nossas poucas colegas!). Comemorávamos todos junto: “Viva Vienna, mais uma vez eleita a funcionária do mês!”. O mais interessante, era que todos careciam e contavam com sua pronta ajuda. Entre nós outros, pairava a instigante dúvida: “Quem será o favorito de Vienna?”. No fundo, secretamente, cada um sentia-se um pouco dono dela, como se estivesse exclusivamente a seu dispor. E ela parecia (ou então fingia) não ligar, tratava a todos com equidade aumentando nossas ciumentas disputas.

Não era raro conversarmos a seu respeito, freqüentemente era o assunto de nossas rodas. Eu gostava de exaltar como compreendia seus problemas (claro, Vienna também tinha problemas, não era em tudo perfeita), que entendia de suas dificuldades. Contava aos outros como a tratava com carinho e fazia questão de enfatizar como nunca recusara passar uma noite comigo. E foram muitas... Falando nisso, como sabia apreciar um bom carinho, gostava de ser tratada com respeito. Contudo, não era destas frescas que nada suportam. Sempre firme, tolerava nossas pequenas grosserias (tão freqüentes num escritório de engenharia com maioria masculina). Na maioria das vezes agia com mansidão, quase nunca reclamava. Todavia, ela também tinha os seus dias. Nós, homens, bem sabíamos que nossas brutas atitudes a machucavam. Mas, até nisso ela era diferente! Bastava um trato com delicadeza que logo éramos desculpados e nosso bom relacionamento estava de volta, ileso. Ah, como ela não há outras!

Sua presença era fundamental, alegrava o ambiente. O dia que, eventualmente, não trabalhava era motivo de preocupação geral. “Será que ela não está bem? Vai melhorar logo?”, perguntávamos. E como era bom sentir seu retorno. Só de ouvi-la de longe – toda animada como se nada tivesse acontecido – a atmosfera se transformava com sua presença. Reuníamos ao seu redor para jogar conversa fora. E não havia um que não fosse visitá-la em seu cantinho durante a pausa do café. Ah, e seu cheiro... hum, delicioso aroma que coloria nosso ar. Pela manhã, quando entrávamos na recepção, sabíamos que já estava lá (sempre começava a trabalhar bem cedo). Mas que perfume!

Ah, como sinto sua falta! Ah, sentimos todos sua falta. Há três dias ela se foi, nunca ficou tanto tempo fora. Quando voltará? Ou será que voltará? Sem ela, nosso escritório não é o mesmo. Queremos Vienna de volta! Já me decidi, vou atrás dela! Vou buscá-la de qualquer maneira! Vienna Superautomática, nossa maravilhosa máquina de café expresso, há três dias em manutenção na assistência técnica.




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